Thursday, March 7, 2013

ar como rochas




Quando, de facto, tudo mudar, irei contigo, de janela na mão, 
olhando de dentro, coração ao vento e voo planado... continuo.
Estarás desfeita das pedras, pairando, leve, junto de mim, na divindade do sangue.
Viveremos ar como rochas, ilusões como actos, morfina como vida.
Na mão o cerrar dos olhos, nos olhos o querer cerrar a mão..
Ser, de facto.
Contigo, de facto.
Na mão, cerrada pelos olhos, no peito, aberto pelas mãos.

Friday, May 11, 2012

buraco negro


Para quê saber?
Não posso contar, é grotesco, mete medo.

Sou um buraco negro, engulo tudo, concentro tudo, 
tudo desaparece em mim,
um suor frio, uma bolha infinita de pez, alcatrão,
um vácuo, as trevas.

Nesses instantes que te espantam, 
nesses que queres saber e não te posso contar,
uma mancha escura sai da minha boca,
um vómito de palavras a latejar nas temporas,
um jato pestilento de tristesa, 
um enchame de ferrões ditos,  convulsão e perdição.

Serve para demolir.
Ira de não poder dizer, não posso contar, 
o que digo é zumbido, terror.
Sou um buraco negro,  devoro tudo, esmago, 
tudo se dissipa em mim.

E depois há o renascer, a taiga, rodeado de pouco, 
broto da latencia, deixo-me estender,
faço-me vida boreal,
Até a escuridão voltar.

Saturday, April 21, 2012

um cheiro


Deixo espalhadas pelo chão, num jogo de xadrez desordenado, cinematográfico,
uma imensidão de palavras que me doem e rasgo antes de escrever,
num acaso que não sei dizer.


Se me deixo pesar na madeira, cara vincada pelos veios das tábuas,
no meio desse jogo de papel amarrotado,
reconheço esse indício.
Tresmalha-se pelo ar quando sacudo um livro e lhes folheio as páginas amarelas,
secas, de cor molhada pela trovoada lá fora,
cheiro do pó de Lisboa em Varsóvia,
e se dissipa quando adormeço com o pulsar do meu sangue, embalado pelo sussurrar de Chet Baker.

quadro



Há corações com chaminés que fumegam folhas de árvores
e que levitam no ar como num quadro de Magritte.

sonho descoordenado

Morreste há tempo demais para eu não ter notado a tua ausência.
Vou-me esquecendo que te não posso encontrar por aí.

Trepava o Chiado de mão dada contigo, botas de camurça e atacadores soltos, os desenhos geométricos do lioz num chão escrito de Inverno. O teu cabelo comprido, liso, o teu sorriso maternal sem condescendência.

Saí de ti, das tuas entranhas, sou carne morena da tua pele pálida. Quando desapareceste, levaste parte do meu firmamento contigo e, embora eu não chore, sinto-me perdido neste teu legado vazio.
Para quê dizer-te que me fere este nada que me deixaste?
Tu não ouves, não sabes, não voltas.

Paredes sujas de palavras de ordem “Não à lei Barreto”, ao lado daquele quinto esquerdo do pós vinte cinco de Abril, em prédio de regime, quadrado e feio, numa Benfica suburbana, enlameada, ainda sem centros comerciais.
Sentada na cadeira de baloiço, perna cruzada, a fazer malha com o silêncio de Monsanto pela janela, num sábado metuendo de nuvens carregadas em alto contraste. À noite o assobio do vento da estrada de Benfica, o mistério sombrio da noite, um breu vagamente recortado pelo movimento das folhas das árvores nas paredes do meu quarto… e pela tua voz ao telefone do outro lado da casa.

Desço o quarto andar de madeira da Álvares Cabral e esperas-me junto às caixas de correio enquadradas em azulejos estrelados em tons de azul. Fizeste uma permanente e os teus caracóis estão cobertos de luz reflectida pelo sol que entra pelo vidro fosco numa porta metálica de Cassiano Branco.
 Vamos festejar o ser mãe e filho.

Às vezes vejo-me a pairar no ar, como se eu fosse uma projecção de ti.
Vejo – te de cima, estendida, sem vida, apenas corpo e encontro-te no meu peito.
Vives nesses relâmpagos de memória, em pequenas assombrações, imagens desarticuladas em longitudes diversas de um tempo que já não vive mas que está aqui, mesmo ao meu lado, invisível, impalpável, um sonho descoordenado.

Fazes-me falta mas nunca o diria.
Há um glaciar a cobrir-me que me não deixa sentir o calor daquilo que retive de ti.

Apetece-me questionar evidências, onde estás, porque te foste, o que te deu esse direito.
Perguntas sem préstimo que me agoniam e persistem como um tormento.

Acabaste mas ficaste.
És a mais célebre das pessoas que vivem em mim.

intensamente



Vivo o presente intensamente,
                           no passado.

o peso dos outros



Guardo no armário dos meus esqueletos
Esqueletos que outros não guardaram nos seus armários.

Custa-me o meu peso.. e o peso dos outros.

projecção


Ei-de te encontrar nas minhas palavras,
no que digo sou um reflexo, uma projecção de ti
... caleidoscópio de sentir.
... pouco existo no que faço,
                                      sou um movimento teu.

Encontro-te no calor, num rincão iluminado,
luz morna das minhas profundezas.
... e em mim nada é vida,
                                                     senão tu.

em estado latente



Quieto, quase imóvel,
de movimentos vagos, ausente, 
perdido num horizonte fantasma,
de olhar infinito...

de pensamentos alucinados,
com cores indefinidas, psicadélicas, intensas,
carregadas de grão preto e branco,
de luz ténue que ilumina pela metade
e que deixa revelar sombras fantásticas de eternidade.

É como me vês...

imune ao espaço, ao som e à temperatura... aos cheiros,
fora de mim num lugar intermitente,
algures em estado latente.
porque vivo num espaço que fica, no meio, entre este e o outro mundo...

É isso que vês

pele



Não há nada na minha presença
do movimento dos meus dedos,
do meu cerrar de olhos,
do meu longo e profundo respirar,
que há nas minhas distancias.
Não há nada da pessoa que consegues ver à mesa dos costumes,
da felicidade de te tocar,
da ternura de te ver,
da palpitação do meu peito e da plenitude de te viver,
que há nas minhas ausências.

Há na tua sombra, todos os contornos
Há nos teus contornos toda a luz
Há na tua luz toda a vida
E a tua vida deixa-me perdido de te sonhar, querer, ter.

É no vício de te amar que me rasgo e sou o que se ausenta, já de volta,
para te deslizar a textura na palma da mão,
para me soltar nos movimentos do corpo que te contornam as ancas
e para nos lábios te ter o gosto dos seios.

És a pele dos meus dias, um rasto continuo de vida nas minhas orbitas,
todos os momentos em que não sou triste.

preso



Vivo preso nas palavras que nunca direi,
nas ideias que tive e terei,
mas não viverei
...
e em tudo o que poderia ser...
...mas nunca serei.

perdido



Quando foi?


Quando foi que me roubaste o coração e que mo deixaste, por aí, espalhado?
partido, comido, quebrado, perdido.

turva

Subitamente todo o teu gosto amarou,
Desapareces-me e toda a imensidão da tua boca se torna vaga, 
Quase inexistente.
E é como se não tivesses sido toda a sofreguidão com que te tinha na saliva,
Vais ficando turva, fantasma que me aparece hoje
E não sei se amanhã.

Quando foste mais viva que todo o despertar e o fôlego que me faltava.

os teus sentidos

É de dia que conto as palavras das coisas da noite, 
Do silêncio da estrada da luz, do vento de Lisboa nas árvores e desse escuro de paz, 
Do absoluto do tempo em que os teus braços me tinham a pele e o coração que me batia.


É na mais profunda paz que me ouves as palavras de um sopro tão distante mas que vive como se de agora se tratasse, como se agora no rádio tocasse a Estrela da Tarde e como se o espaço provasse que aquelas palavras vingaram, que o brilho dos teus olhos é eterno e que a tua vida se perpetua em tudo o que faço.


É numa espiral de palavras desencontradas que encontro o significado daquilo que fomos, daquilo que ao sentir me faz viver e que me leva ao acontecer desse pulsar. É numa desordem tremenda de dizeres que se vislumbra a profundidade de ti quando mais nada existia senão nós e a poesia dos sentidos.

o gosto

a forma como dizes as coisas ecoa-me por todo o lado,
porque há nas tuas palavras um rasto de eternidade, uma força do universo
que faz com que a música delas seja de infinito. 


mas se há no que dizes aquilo que não se encontra no comum dos dias
é porque dentro de ti vivem todas as energias doces, 
todos os ventos que no ar trazem o prazer, as inquietações dos sentidos
e aquilo que nos distancia daquilo que é comum.




dou por mim no fascínio de todos os sons que existem em ti,
...
e acabo por encontrar nas minhas palavras
o gosto das tuas.

de como chego a ti

ao recolher de perna, 
num movimento de braços, inclinar de pescoço.


ao cair uma nota de alívio,
num ar que sopras de suspiro.


ao ritmo de palavras,
num som que se cola à pele.


e numa pausa,
num deitar,


atas-me assim, ao espaço que te envolve
...


há pássaros que batem as asas
da mesma forma que olho para ti.

teu











Não pretendes ser, és 
não precisas de conquistar
...
é tudo teu

dizer

há coisas que não sei dizer,
ou se as devo dizer...
há coisas que não sei como se dizem, ou se se dizem.

caverna



todas as emoções de que padeço
compõem uma escuridão,
um remoinho fantasma, uma mancha cinza
que vive dentro de mim, numa caverna
não sei se esse ser gasoso, esponjoso, tortuoso
voltará à luz, se haverá luz...
alguma luz

em profundidade alguma



Já me não sei encontrar em profundidade alguma
...
É nas vidas dos outros que encontro a nostalgia,
É nos passos dos outros que encontro a minha inquietação
É nos braços dos outros que me deixo encostar
É nas palavras dos poetas que congelo
e nas dos amantes que volto a viver e me deixo embalar
...
Já não me encontro, já me não sei encontrar
Em profundidade alguma

como?



Este fluxo de sangue que me sobe à cabeça
Isto que sinto que me inquieta e que te quero dizer
Como saberei se o que digo chegará para que sintas?
Como saberei se o que disse foi de menos para entenderes?
Como saberei se desvirtuei aquilo que quero que vivas com palavras excessivas?
Não sei, e poderás nunca saber disto que de ti me faz querer dizer.

Com a inquietude nas imagens - ( em Português i Popolsku )

As imagens começam com a inquietude, às vezes, com as
frustrações e, muitas vezes, com momentos de profunda nostalgia.
Podem, também, começar com o que sinto quando
me perco a olhar e as coisas começam a desfocar.
Começo a ver para lá do que lá está e a imagem passa a ser uma
criação... uma distracção. Depois, pego na máquina e capturo
aquilo que me enche os olhos, que me toca a retina e a preenche
na sua totalidade. Há que enjaular a imagem naquilo que se chama
enquadramento. Prende-se a imagem e, eventualmente, se tiver
metade daquilo que senti quando a fotografei, pode ser que tenha
a ousadia de a criar e de a mostrar. A imagem que me prendeu,
fica minha cativa. Fotografar é um acto de liberdade e, também,
de algum sofrimento. É um investimento de mim. Custa-me quando
na imagem não há nada daquilo que senti quando a criei. Mas há,
depois, a descoberta e a vontade de recomeçar. Nunca nada está
acabado nem aprendido.
Sei que não sou metade do homem que gostaria de ser. A
fotografar finjo e, às vezes, consigo ser esse outro que, na
realidade, não sou.
Gonçalo Franco, 30.11.09

Obrazy rodzą się z niepokoju, czasem z frustracji,
często z momentów głębokiej nostalgii.
Mogą również powstawać z tego, co czuję, gdy
gubię się w patrzeniu i rzeczy wokół mnie tracą
ostrość.
Zaczynam widzieć poza tym, co jest i obraz staje się
kreacją… rozproszeniem uwagi. Później biorę do ręki
aparat i chwytam to, co wypełnia mi oczy, co dotyka
siatkówki oka i zajmuje ją całą. Trzeba uwięzić obraz
w tym, co nazywamy kadrem. Chwytam obraz i jeśli
odnajdę w nim choć połowę tego, co czułem fotografując
go, być może ośmielę się go stworzyć i pokazać.
Obraz, który mnie ujął, staje się moim więźniem.
Fotografowanie jest aktem wolności, ale także rodzajem
cierpienia. Jest ofiarowaniem samego siebie.
To dla mnie bolesne doświadczenie, gdy w obrazie nie
odnajduję nic z tego, co czułem, gdy go tworzyłem.
Później jednak następuje odkrycie i chęć, by zacząć na
nowo. Nic nigdy nie jest ostatecznie zakończone ani
opanowane.
Wiem, że nawet w połowie nie jestem takim człowiekiem,
jakim chciałbym być.Fotografując udaję, ze jestem,
a czasem nawet staję się
(Tłum. Dorota Kwinta)

qualquer coisa


há qualquer coisa do ar que respiro 
que vem de ti.
há qualquer coisa do meu corpo 
que te pertence...
um misto de temperatura, saliva, cheiro..
um rasto de sangue, humidade a que sabemos.
Há em ti uma continuação de mim
que me faz parar ... para te sentir, para te viver.


Não sei onde termino e começas
quando nos temos em carne, 
quando os meus movimentos
são a forma como me vês,
quando os teus olhos 
são aquilo que sinto.

coisas de ti

deixei por aí
tanto de ti
pedaços de coisas que conheço de cor
coisas da emoção que só o corpo sente 
que só a alma luz
e que inquietam
coisas que sendo do mais profundo de ti
são o mais profundo de mim


e acabaram por aí
espalhadas, perdidas
quase esquecidas


mas existem
para as redescobrir
uma e outra vez
e outra
e mais outra

para no fim, serem deixadas por aí

...o chão pode ruir

Calo-me surpreso,
Calo-me porque não sei o que dizer,
Calo-me com medo que as palavras me traiam,
Calo-me porque encontro protecção no silêncio,
Calo-me com medo daquilo que dirás a seguir,
Calo-me porque sei que se falar... o chão pode ruir.